E ai, vamô dá um rolê?

Nessas duas últimas semanas não se falou de outro tema na grande mídia, que são os rolezinhos. Eles começaram ocorrendo em shopping centers, e tomaram as proporções que possuem agora. E eu, como cidadão de São Paulo, local onde eles começaram a ocorrer, não podia deixar de dar o meu plá, sobre esta nova forma de aglomeração de massas na nossa já caótica cidade. Existem aqueles que os encaram como uma nova forma de diversão e entretenimento, encontro de pessoas para se conhecer melhor, e outras como uma deturpação de espaços reservados a outras finalidades que não essas, e que levam à ocorrência de delitos e violência, por si só já condenáveis.
O rolezinho tem como característica a presença maciça de pessoas em locais grandes e voltados ao fluxo e concentração de massas, em maior ou menor escala; são agendados via redes sociais e os seus participantes são adolescentes e jovens adultos majoritariamente. Mas o que me chamou a atenção foi o fato de que eles ocorreram em Shopping Centers, e não em parques, praças ou Avenida Paulista. Por quê? Porque em uma cidade tão grande como São Paulo, com grande quantidade de locais públicos, foi ocorrer justamente em Shopping Centers?
"Que ingênuo você!", alguém pode dizer, "Claro que é para chamar atenção de todo mundo e fazer baderna! Só tem moleque!" Respostas diversas podem ser dadas, mas atentando para o estilo de vida da cidade, a forma de pensar de seus habitantes e sua infra-estrutura, uma resposta que me veio de imediato foi: falta de opção de lazer.
Sim, leitor, não foi uma das respostas que pensei, foi a primeira! E sabe porquê? Já te digo ...
A forma de pensar de um cidadão de uma cidade grande como a nossa, baseada na lógica consumista-boba-demagoga de "compro, logo existo" nos leva automaticamente a gastar e gastar cada vez mais dinheiro, e um local que concentre lojas que vendem boa parte dos produtos usados no cotidiano, em maior ou menor frequência, cumpre bem este papel - e para complementar, a parte de entretenimento e alimentação foi automaticamente incorporada, com cinemas, quiosques, praças de alimentação e eventos. Isto, aliado a uma economia baseada em prestação de serviços, típicas de grandes metrópoles, funciona como um catalisador para impulsionar cada vez mais a construção de Shopping Centers - indústrias de grande e médio porte migraram para cidades cada vez mais apartadas dos grandes centros urbanos há muito tempo. E tem o bônus de ser mais seguro do que uma rua com várias lojas uma do lado da outra, pois câmeras, segurança particular, muita gente andando em seu interior em um espaço delimitado inibem ação de bandidos, pois sabem disso e pensam muito antes de apontar uma arma na nossa cara. Quer comer bem, ver filme, comprar o que você precisa, cortar cabelo, fazer massagem, e de quebra ver gente? Vá a um shopping! Tentador, não?
E como! Tanto que hoje eles estão por toda parte da cidade. Perto de casa tenho acesso fácil a pelo menos cinco. Em maior ou menor tamanho, abrangendo distintos nichos de consumo, para todo tipo de público, de acordo com suas necessidades e disponibilidade de gastos, para todas as classes sociais - mas, claro, desde que gaste! Se você não tem dinheiro, nenhum shopping center e nem seus frequentadores assíduos vão gostar de vocês. Eis o ponto.
Encontros para se divertir e conhecer pessoas. Em um Shopping Center? Em um local cuja finalidade é gastar e comprar? Onde moda e ostentação são tidos como comportamento? Onde autenticidade é descrita pela roupa de uma de suas lojas? Vida social? Um local que dita o estilo de vida consumista? Andar por ele é sinal de status, não é mesmo? Ainda mais dependendo do shopping, já que tem tantos!
E como eles iludem! Todos sorrindo, felizes, de mãos dadas, como deuses em um panteão discutindo os rumos da humanidade. Os esteriótipos são tantos que não sei por onde começar: uma menina linda entrando na loja de sapatos, o casal de namorados comprando pipoca antes de entrar no cinema, amigas gatas andando com uma sacola em uma mão e um sorvete na outra, as crianças brincando na pracinha de recreação perto de uma das saídas que dão para um estacionamento ... e dá-lhe a paga! Qual a equação correspondente ao local? felicidade = compras.
A desvalorização dos espaços públicos como locais de convívio e entretenimento, e seu conseqüente abandono, fez com que a transferência dessa responsabilidade fosse repassada para outros locais, em sua maioria privados, seja por descaso de autoridades públicas, falta de segurança e/ou desinteresse da população. Muitos não passam de lixões a céu aberto, casa de mendigos e sem-teto, pontos de venda e consumo de drogas. Com exceção dos grandes parques, não sobra muita coisa. Simultaneamente, falta um sistema de transporte público eficiente para que grande parte da população se desloque e usufrua dos mesmos, a menos que se tenha carro, que já não anda tão rápido quanto há uns anos atrás.
Mas entre os diversos motivos, um que me deixa louco de raiva é o fato de que os "centros de compra" são construídos de forma estratégica, próximos de alguma estação de trem, metro, ponto de ônibus, ou, pior, do lado de um terminal! E ai não tem jeito, deu uma vontadezinha-tá-do-lado-quero descontrair-juntou-uma-galera-não-sei-pra-onde-vou-sem-muita-opção, faz o que, hein? Saiu do trabalho? Vamos lá? Ou senão ela fica do lado de alguma faculdade, porque se a aula está chata, nada melhor que uma saideira! Sem falar que a hora do rush é uma delícia de um inferno ...
"Nossa, rapaz, então você é 100% contra shoppings? Você é um neo-hippie, que não quer viver o mundo capitalista em que está inserido? É comunista também?" Claro que não. Empregos são gerados, pessoas trabalham para sustentar suas famílias e pagar contas. O que critico é a centralização excessiva destes locais como forma e estilo de vida, 100% vazio e que nada contribui para o crescimento humano. Se for bem usado, não tem problema, comprando livros, filmes, gastando de forma responsável, etc. De vez em quando vou em um shopping center, mas com local e objetivos definidos, sem ficar dando voltas à toa - claro, isso quando minha querida e amada mãe não está perto de mim (T.T). Este é um momento excelente de reflexão sobre a questão urbanistica da cidade, pensar em soluções para que seus espaços sejam melhor aproveitados para deslocamento, entretenimento e convívio da população (descobrindo e redescobrindo o que já existe de bom), simultaneamente à uma reflexão profunda e séria sobre este comportamento torpe que associa felicidade pautada em consumo imediato e desenfreado. E ai, vamos todos juntos dar um rolê nessa idéia?

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